segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Reflexão.

A curva do imponderável
Persisto, mesmo depois de derrapar na curva do imponderável. Teimo, mesmo depois de parar no obstáculo intransponível. Saúdo a vida, mesmo depois de despertar para o vazio trágico. Se não sabia contar os anos, teimo em tutelar o instante. Se havia me perdido, não deixo a alma suja; o soro que talha o leite não vai me azedar. Passo unguento nas raladuras. Fecho os olhos para o feitiços odioso. Marcho adiante.
No escuro da cacimba, noto que meu rosto turvo continua a sorrir. O ribeiro murmura; deixo que seu lamento acalme o meu coração. Admiro a maré eterna; ela cadencia a violência do meu porvir. Musgos, heras, cardos, se apegaram à minha alma. Transformo as mãos em tesouras de jardineiro. Deixo a rede, que range no armador, aquietar o meu sono ansioso. Tentei fugir e acabei entregue a mim mesmo. Devaneios serviram para ancorar a minha jangada no porto da realidade. Utopias me enraizaram. Delirei. Agora sento na cadeira de balanço da lucidez adulta.
Ventanias assobiam pelas frestas do meu castelo, outrora, inexpugnável. Minha adolescência afoita dilui-se em esperança. Escancaro janelas e portas da minha casa frágil. Volto-me para o sopro selvagem. Acolho o vendaval que espalha o pó da minha vaidade. Respingos de uma tempestade inclemente lavam a minha tristeza. Inspiro a alvorada úmida. Saúdo o sol tímido; peço-lhe que me guie durante o dia.
Trago pedregulhos ásperos na aljava. Não coleciono raridades. Até meus maiores tesouros não passam de pedras semi-preciosas. Não vou leiloar o que amo. Procuro passar cadeado nas riquezas que me sensibilizam. Aviso às raposas: "não destruam as minhas vinhas". Chacais não vão entrar na alcova onde guardo os que tanto amo.
Consternado, noto que um vazio tenebroso embaçou os olhos dos meus companheiros. Entristecido por vê-los roubados da vida, tatuo na pele o mandamento de viver com intensidade. E para não perder a alma, marco, a ferro, o dever de amar. Amar a beleza, a vida, a justiça, o bem.
Quando não fizer sentido, basta-me a paz; paz que excede todo o entendimento. Mesmo quando não agradar, sei que posso ouvir: “tu és meu filho amado em quem meu coração está satisfeito”.
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