sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Reflexão.

Nem tanto, nem tampouco

Vale o chavão: “Ninguém sabe o tempo de sua existência”. Basta a imprevisibilidade de uma breve arritmia para qualquer um descerebrar e acabar. Em um simples vacilo, o menino, que imagina viver décadas, rasga os roteiros imaginados por seus pais. A mocinha pode deparar-se com um depravado e perder, não apenas a dignidade, mas a própria vida. O ancião sonha ouvir o ranger de uma guilhotina que o acorda no meio da madrugada.
Retorno aos chavões: “A vida é uma maratona”. O jovem sente que um ano se arrasta sem pressa. O senhor, pasmo, nota o passado alongando-se impiedosamente. Como na corrida, é preciso saber espaçar o tempo. Entre nascimento e morte, dispomos de um período indeterminado, mas limitado. Quem corre maratona entende o clichê. Na corrida, o percurso é estipulado para que cada corredor dose sua cadência. Na vida, sem conhecer a extensão a ser completada, fica imprescindível saber imprimir o ritmo certo. Os velocistas não duram.
Para correr bem, é necessário reconhecer que devaneios onipotentes sugam energias. E que desejos de onipotência brotam do esforço humano de evitar o sofrimento. Luta-se para acabar com as contingências, blindar-se dos percalços e não permitir que a crueza existencial se concretize. Contudo, por mais que alguém se esforce, a mente não burla a vida. Não adianta, a religião não iça ninguém para patamares inatingíveis por maldade, acidentes ou injustiça . Como pretensas arquitetas de Nirvanas, Paraísos e Shangrilás, as pessoas não se conformam com a dureza do mundo. Teimam em acreditar que suas idéias são fortes o suficiente para transfigurar a realidade que aspiram.
Em minha última maratona, fiquei com dois pensamentos na cabeça: preciso cumprir o percurso; preciso terminar vivo. (Oxalá, todos terminássemos a vida, vivos) Para isso, tive que dosar as energias; qualquer afobação significaria parar. Também não podia invejar ninguém. Consciente da idade, dos limites do corpo e do meu condicionamento, engoli seco sempre que os menos capazes me ultrapassavam. Aquela corrida era minha, só minha. Eu competia comigo mesmo nas mais de quarenta e duas mil passadas que a prova exigia. Depois, enquanto observava os caídos, os enauseados, os paralisados, celebrei a cautela, que me deixava com jeito pusilânime até pouco .
Os delírios são herdeiros bastardos do reino de Narciso. Todo o que alucina se acha apto para modificar o mundo. O cientista tenta calcular matematicamente os acontecimentos e criar mecanismos que os ordenem. Os religiosos almejam acessar Deus e anular qualquer eventualidade. O delírio gera otimistas e pessimistas. Ambos acreditam na inexorabilidade do amanhã, mas os realistas reconhecem as suas limitações. E já que abuso dos jargões: Na vida, não esqueça, “devagar se vai ao longe”.
por Ricardo Gomdim.

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