''Somente os tolos não ACEITAM a correção''. Rei Salomão.
O valor de uma conversa
Texto do jornalista publicado na coluna na versão impressa da edição de 23 de agosto de 2010:
O faxineiro não apareceu no horário de serviço habitual, às 6h.
Duas horas depois, fui chamado no setor de recursos humanos e recebi uma missão estranha: “Acalme-o, que ele está contando para todos que foi parado pela Polícia Federal”.
Eu sorri. João estudou até a 4ª série, é analfabeto funcional. Simples, de família humilde, retirante do Nordeste, afastou-se da miséria de sua terra para tentar vida melhor no interior de São Paulo. Não tinha a menor ideia do que é a PF.
Dei-lhe uma bronca e questionei-o. Uma história sem pé nem cabeça, julguei.
Seu ônibus quebrara e ele percorreu a metade do caminho até o serviço a pé. Foi chamado por pessoas que estavam retirando peça de computador de uma casa. Mostraram-lhe um “filminho” com cenas de sexo. Fizeram-no assinar um documento e prometeram-lhe chamar de volta. Após rir, pedi para que parasse de tomar tempo dos demais colegas com aquela bobagem.
À tarde, já em minha função de jornalista, li de relance na internet que a PF fizera a primeira megaoperação contra a pedofilia no País. Passou em várias cidades, mas Limeira não estava na lista.
Cismei a tarde toda. Será possível?
Avisei meu colega, que cobria a área de segurança, para que consultasse a PF de Piracicaba. Dito e feito. Embora não constasse na lista, Limeira foi visitada pela manhã.
Era possível. Teclei o fone da firma, mas João fora embora. Liguei na casa da assistente de RH e arranquei-lhe o nome da esposa do faxineiro e o sobrenome.
Fui à lista telefônica e li todas as ruas do bairro onde João mora até achar seu número. Ninguém atendeu.
Eram seis horas da tarde, estava perto do horário-limite. Liguei para os vizinhos e pedi para lhe tirarem do bar onde estava e atender o telefone. “João, conte com calma aquilo que você me disse...”.
No dia seguinte, notícia exclusiva: primeira operação nacional contra pedofilia chegou até Limeira. Ninguém da polícia local sabia. Só houve uma testemunha da ação, e eu tinha dado risada dela.
Esse episódio marcou bastante não só minha trajetória como jornalista, mas também pessoal.
Uma ajuda pode vir a qualquer momento, na situação mais esquisita, de onde menos esperamos - não importa classe social ou escolaridade.
No dia a dia, desprezamos muitas vezes uma conversa aparentemente tola sem saber a riqueza do que podemos extrair dela. E perdermos lições simples, que se dispersam em meio à nossa arrogância.
João continua sem saber o que é a PF, provavelmente os agentes jamais vão chamá-lo de volta, motivo de risadas sempre que a gente se encontra na rua.
Mas ele me ensinou a valorizar e nunca desprezar um diálogo, com quem quer que seja. Nunca se sabe de onde vem a ajuda, mas é melhor tê-la do que deixá-la escapar.
Por Rafael Sereno, editor chefe da Gazeta de Limeira.
fonte: http://www.colunaprisma.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário