sábado, 9 de maio de 2009

Ele é corintiano.

Futebol, contingência e o Divino
Ricardo Gondim
Sou torcedor não fanático, mas devoto, do maior e melhor time do Brasil, o Corinthians. Dedico ao Timão alguns superlativos: eficientíssimo, grandessíssimo, gloriosíssimo. Não há como negar, o meu clube é tão especial que nem os lugares-comuns distoam: “a única esquadra que não tem torcida, mas uma nação”; “exemplo de desorganização que sempre dá certo”; “quem melhor representa o espírito maloqueiro nacional”; “encarnação de perseverança e fidelidade”; “não somos uma arquibancada, mas os Gaviões da Fiel”.
Futebol tem poucas regras, não requer equipamentos sofisticados (os pobres fazem bolas estofando meias velhas) e pode ser jogado em qualquer terreno. Em seus primórdios, era tão sofisticado quanto o golfe nos dias atuais; no Brasil, apelidaram-no de futebol society porque atraia a burguesia. Hoje, mexe com o povão. Mas o que existe nele que nos enferma de paixão? Qual a mágica do jogo para extasiar multidões, de intelectuais a analfabetos?
Simples! Imprevisibilidade. No futebol, só se conhece o resultado de uma partida depois que o juiz apita o fim. A qualquer instante o impensável pode acontecer. E nem sempre o mais forte ganha. A famosa zebra existe, e vez por outra arruína com os prognósticos mais precisos. Quando duas equipes entram em campo, uma displicência pode alterar definitivamente o placar final. Se logo no início, o mais fraco marcar um gol, basta que fique na retranca, e por mais que o adversário tente não consegue reverter o escore.
Onde fica a relação do futebol com Deus? Na questão da imprevisibilidade. Deus tem ou não tudo sob controle? Se tem, o campeonato estadual, a qualificação para a próxima Copa do Mundo e o capitão que vai erguer o Caneco estão sob seu absoluto domínio. Acontece que ninguém de sã consciência concebe que oração, mandinga, sinal da cruz e despacho em encruzilhada sejam eficazes para direcionar o que acontece dentro das quatro linhas do relvado (se macumba ganhasse campeonato, o da Bahia terminaria empatado).
Exatamente! O magnífico do futebol são os acidentes de percurso. Em filosofia, acidente de percurso chama-se contingência. Contingência, portanto, é aquilo que é ou pode ser, mas não é necessário. Em outras palavras, não existe causa ou razão para que determinado evento aconteça. Um gol do Corinthians aos 48 minutos do segundo tempo, que o classificou para a final pode ter sido apenas um acaso. E nenhuma divindade, por mais poderosa e soberana que seja, necessita ser reivindicada para explicar o golaço – motivo da alegria para uma Nação, mas de infelicidade para os adversários.
Basta que se mantenha a lógica. Se em uma trivialidade, como a vitória de um time, não cabe reivindicar o controle divino, porque em outras, sim?
Não existe meio termo. Contingência esvazia a possibilidade de destino, maktube, predestinação, carma ou soberania. O contrário também é verdadeiro. Quando se aceita que Deus ordena todas as coisas e usa os acontecimentos para conduzir a história a um fim predeterminado, não existe contingência, acidente, acaso ou sorte.
Restam algumas perguntas: Os ganhadores das loterias cumprem algum propósito eterno? O médico incompetente que deixou a mulher tetraplégica agiu com o consentimento de Deus, para o seu bem? O obscuro jogador, que será guindado ao estrelato com a arrancada que fez a bola beijar o filó nos últimos segundo do jogo, foi auxiliado por um anjo? Algumas pessoas confessam o absoluto controle de Deus e ficam zangados com quem questiona suas afirmações. Não se deve discutir religião, política e futebol, apenas perguntar se tais lógicas valem para todas as esferas da vida, inclusive, as triviais.
Acredito que vivemos em um mundo contingente. Aceito que liberdade só é possível quando há acaso. Assim, não atribuo os acontecimentos que me rodeiam à vontade de Deus. Não acho que Deus, lá de cima, micro-gerencie a terra, semelhante a um títere onipotente. Discordo que Ele diga: “Isso eu deixo acontecer, porque me interessa” (vontade permissiva, no teologuês); ou: “Isso eu quero - ou não quero - que aconteça porque será importante para os meus planos – (vontade ativa).
Creio que Deus se relaciona com os seus filhos e filhas a partir de outra conexão. Para que seja possível aos humanos criar, inventar, escrever poesia, aprender a praticar justiça, é necessário que Ele consinta com a liberdade. O Deus creator convida a humanidade para ser parceira na construção da história. Javé não brinca de “faz-de-conta”.
Quando sofremos, Deus sofre. Quando nos alegramos, Deus rejubila ao nosso lado. Quando guerreamos e milhões morrem desnecessariamente, Deus perde. Quando somos bons, solidários e justos, Deus ganha.
Na próxima vitória do Corinthians, Deus vai pular de alegria comigo; sem desprezar as lágrimas dos sãopaulinos, palmeirenses e santistas.
www.ricardogondim.com.br

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