segunda-feira, 5 de julho de 2010

Reflexão.

Quando dois destinos se cruzam
Ricardo Gondim.
Há muito tempo, quando Jesus viveu na Palestina, fui testemunha do dia ensolarado quando ele desceu do barco, e mesmo procurando ir para casa, precisou alterar os planos. Aconteceu assim:
Um homem se jogou no chão, gritando. Dizem que era Jairo, um dos líderes daquele lugar esquecido do mundo. Contaram-me de sua fama. Era o rico que se vestia com linho fino.
O seu desespero foi tão grande, que nos viramos espantados em sua direção. Todos queriam vê-lo de joelhos, naquela beira de praia enlameada. Jesus foi até Jairo, levantou-o pela mão e logo perguntou a razão de tanto desespero.
– Minha filha, minha filha. Foi só o que deu para ouvir.
– O que tem a menina? Perguntou Jesus com voz fime.
– Está morrendo, está morrendo! Por favor venha comigo, me ajude. Insistiu Jairo.
Jesus chamou os amigos, que sempre andavam com ele, para que o seguissem até a casa de Jairo. Depois de caminharmos uns oito quilômetros, uma pequena multidão de curiosos se juntou a nós.
Sem mais nem menos, uma mulher veio, abruptamente, querendo tocar nas costas de Jesus. Eu estava bem do seu lado. Ela era uma senhora de uns 35 anos, cabelos longos e brancos, com olheiras muito roxas, e bem magra.
Na hora em que essa mulher segurou na franja da roupa de Jesus, ele perguntou o que era aquilo; quem empurrava, quem segurava daquele jeito. Tremendo, a pobre mulher contou que uma vizinha lhe dissera que Jesus podia curar qualquer doença.
Jesus insistiu em saber que mal a afligia. Ela contou, muito envergonhada, que sofria de um pequeno sangramento vaginal, parecido com uma leve menstruação.
– Senhor, há doze anos sou impura e não posso chegar perto de ninguém. Há doze anos meu marido não me procura para o amor. Há doze anos não chego na porta da sinagoga. Mas eu cri. Pensei que se encostasse a minha mão impura no Senhor, ficaria curada.
Nesse instante, lembrei-me que não poderíamos demorar. A filha de Jairo agonizava e a mulher alongava a conversa . Essa história de tocar na orla do vestido e ficar sã soava como uma grande superstição. Afobei-me, solidário com a dor de Jairo. Jesus, porém, pareceu-me calmo, em total controle da situação.
-Realmente, mulher, senti vazar poder de mim na hora em que você me tocou. Vá em paz! Você está curada. A sua fé lhe salvou.
A conversa demorou demais, principalmente para Jairo. A sua ansiedade era visível; o suor ensopava a camisa de linho. Não dá para descrever o abatimento na hora que um amigo lhe contou que a filha tinha morrido. Jairo chorava convulsivamente, quando ouvimos um grito anônimo: “Não adianta, a menina já está morta; Jesus demorou demais”.
Revoltei-me com a pessoa que gritou. “Que falta de sensibilidade com o pai, e de respeito com Jesus”
– Vamos! Com esta única palavra, Jesus puxou Jairo pela mão.
Na porta da casa, notamos que muita gente havia chegado antes de nós. O que mais nos chamou a atenção, foi o espetáculo das choradeiras profissionais. Ainda hoje não sei quem as contratou. Que horror aquele pranto artificial.
- Minha filha, minha filha, ela morreu, choramingava a mulher de Jairo no corredor.
A cena era macabra e confusa. Choros se misturavam a conversas e ninguém entendia ninguém.
– Pedro, Tiago, João, venham comigo. Os outros esperam aqui do lado de fora. Jairo, traga a sua mulher. Não quero mais ninguém dentro do quarto, avisou Jesus.
Alguns anos depois, Tiago me contou que Jesus se aproximou da menina e ordenou com brandura: Talita cume! E a menina o obedeceu, como se despertasse de um cochilo. A algazarra que se fez na casa de Jairo foi tremenda, mas agora de alegria. Quando vimos a menina sorrindo, sã e salva, todos choramos emocionados.
Daquele dia aprendi algumas lições.
Jairo tinha uma filha de doze anos que não queria perder; a mulher, uma doença de doze anos que queria se livrar.
Jairo era rico; a mulher, pobre.
Jairo pediu o milagre do jeito certo, ajoelhado; a mulher simplesmente roubou a sua cura.
Jairo intercedia por uma filha, que sofria com uma enfermidade aguda; a mulher pedia por si, por uma doença crônica.
Jairo não podia esperar, mas foi obrigado a aguardar; a mulher, que já sofrera doze anos, tinha como esperar mais uma ou duas horas, contudo, foi prontamente atendida.
Jairo era um personagem público e viu o milagre no privado; a mulher sofria com um mal constrangedor e foi curada em plena praça. - Jesus respeita a realidade de cada um; o homem já tinha se exposto demais, agora precisava ser preservado; a mulher, que padecia de uma doença estigmatizante, necessitava ser resgatada em sua dignidade diante de todos.
Hoje entendo que não existem jeitos certos, rituais adequados ou preferidos por Deus. Ele age tão somente pela graça. Jesus, sempre surpreendente, maravilhou-me salvando duas pessoas que se cruzaram numa estrada, e eu nunca mais fui o mesmo.
www.ricardogondim.com.br

Nenhum comentário: