sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Reflexão.

O encontro
Há muito tempo eu seguia por uma estrada deserta. O calor fustigava minha cabeça descoberta. Sedento e com os pés inchados, notei uma silhueta mais à frente. Era um homem de passos lentos. Alcancei-lhe.
- Boa tarde, companheiro. Saudei-lhe timidamente.
Sem responder a saudação, perguntou-me: - Quem é você?
- Um viajante qualquer. Respondi com aspereza. Não queria identificar-me.
- Eu sou Raimundo e não aceito rimas engraçadinhas.
Seus olhos estavam vermelhos, a boca esbranquiçada com saliva seca e as veias do pescoço, latejavam.
-Estou cansado desta estrada, deste caminho, desta jornada. Falei para solidarizar-me com o seu semblante abatido.
Ele me olhou pela primeira vez. Mirou-me com um pai, pronto para aconselhar o filho.
- Eu também estou mal, muito mal. Sinto-me exausto. Semelhante ao homem que acabou de quebrar um caminhão de pedras, depois olhou para o lado e descobriu que mais dois caminhões esperavam por ele. Ando sem ânimo com a paisagem. Prefiro andar sem ser importunado. Não aguento cobranças. Há anos não quero ninguém ao meu redor.
Narrei-lhe algumas experiências nos anos que gastei na estrada. Confessei minha necessidade de encontrar um amigo que fosse parceiro por aquela trilha que serpenteava montanhas e desaparecia no horizonte.
Raimundo me disse que eu só o encontrei porque ele envelhecera; não conseguia manter o ritmo dos primeiros quilômetros.
- Siga na sua velocidade, não espere por mim. Seu conselho soou como despedida.
Antes que nos apartássemos na bifurcação que se abriu no vale, falei:
- Estou com um nó na garganta, uma vontade de chorar entalada que nunca se transforma em choro, mas que me incomoda e abate.
Esperava que Raimundo permanecesse calado, mas o franzino viajante retrucou:
- Não queira recomeçar, não tente antecipar o que vem pela frente, não sinta falta de diálogo. Caminhe sozinho, faça do suor sua única companhia.
Parou, mirou o chão quente e sussurrou:
- Depois de tantos anos nesta senda, minha vontade é não fazer nada, não conversar com ninguém, não saber de coisa nenhuma. Sigo sem destino e sem rumo. Quer saber mais? Vou forçado. Sou peregrino por obrigação. Vejo a vida como sina que tenho que cumprir.
Chegou a forquilha que nos apartou. Raimundo apontou o dedo para a direita. Com autoridade, indicou o lado que eu deveria optar e arrematou: – É mais seguro.
Acenei-lhe um adeus sem palavras.
De longe, Raimundo gritou: - Boa sorte, viajante. Desculpe, estou num dia péssimo.
por Ricardo Gondim: www.ricardogondim.com.br

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